terça-feira, 15 de maio de 2012

Infância (continuação)

Bateu à porta. A primeira vez que bateu à porta o som abafou. Bateu à porta a segunda vez e já conseguiu que o ouvissem. Ouviu uma voz a dizer para ele entrar. Quando entrou estava tudo sentado. Reparou que tinham todos os olhos vidrados nele. Pareciam julga-lo, pareciam esquadrinhar  cada centímetro de si. Viu um lugar de vago à beira de um rapaz e de uma rapariga com caras amigáveis. Antes que se pudesse sentar a professora anunciou:
-Vamos começar com as apresentações.- virou-se para o rapaz - Pedro não é?
Apenas respondeu com um aceno de cabeça.
- Vamos começar por ti. Diz-me lá onde vives?
- Eu vivo em Vila Cova.- disse quando já estava um pouco mais à vontade.
- Já sabem o nome dele, se não sabem é Pedro. Agora vai te lá sentar.
Sentou-se no seu lugar e seguiram-se as outras apresentações. Não estava a prestar muita atenção àquilo. O sonho tinha feito refém o seu pensamento. Não conseguia lembrar-se. Tentava lembrar-se. Sempre mais um esforço, mas em vão. Tentou, tentou e tentou, mas nada. Foi tudo dar ao mesmo resultado, nada. As apresentações duraram o resto da aula. De repente estava na hora do intervalo. Ouviu a campainha tocar, e quase que lhe furava os tímpanos. Chegou cá fora e sentou-se num canto, a pensar em si.
Uns rapazes com ar de poucos amigos dirigiam-se a ele, e não parecia que iam ter uma conversa amigável.
- Olha lá, puto, aqui somos nós que mandamos, estás a ouvir? - disseram eles.
- 'Tá bem tá.- brincou ele pensando que era uma brincadeira. Eles, furiosos com a resposta, agarram-no pela camisola e disseram.
- Olha que não estámos a brincar.
Pedro estava a fazer um esforço enorme para não chorar e mostrar-se fraco. Mas de repente chegou o rapaz que o tinha ficado à sua beira e interrompeu:
- Largai o rapaz. - disse ele com um tom muito imperativo, que fez com que eles o largassem, o olhassem de soslaio e fossem embora.
- Obrigado,- disse Pedro com ar doloroso - eu chamo-me...
- Pedro, eu ouvi a tua apresentação - disse interrompendo-o - Eu chamo-me João.
João era filho do diretor, tendo algum ascendente psicológico sobre os colegas.
- Desculpa, não estava atento na apresentação - disse Pedro um pouco embaraçado.
João apenas sorriu. Conhecia aquele sorriso. Um sorriso reconfortante que já tinha visto em algum lado. Era isso! Era igual ao da sua mãe. Voltaram os dois juntos para a aula. Pedro ficou com a impressão que tinha feito um novo amigo.

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